Paternidade

Autores

  • Antônio Carlos Flores dos Santos

DOI:

https://doi.org/10.30795/scijfootankle.2018.v12.807

Resumo

                Quando o Dr. Jorge me pediu para escrever algo sobre o Professor Egon, dada a nossa proximidade, primeiramente fiquei muito honrado com o pedido, depois achei que iria ser fácil falar sobre o Professor de todos nós, mas não foi bem assim.

                O Prof. Egon foi fartamente homenageado em nosso Congresso em Gramado, recentemente. Homenageado pela sua obra, pelo seu legado na formação de residentes na Ortopedia em nosso HC – e anteriormente na Santa Casa – e na “Traumato” do HPS, onde foi plantonista até sua aposentadoria. E, mais ainda, recebeu a maior de todas as homenagens que alguém pode desejar, aquela feita pelo seu próprio filho, seguidor dos seus passos, literalmente.

                Foi então que, pensando melhor, decidi falar sobre o Prof. Egon e a minha particular relação com ele.

                Conheci o Mestre no 4º ano do curso médico, na cadeira de Cirurgia Geral, disciplina de Ortopedia, na enfermaria 33 da Santa Casa de Porto Alegre.

                Era uma aula teórica, numa manhã de sexta feira, horário curricular das atividades teóricas da Cadeira naquela enfermaria. Ele vinha diretamente do plantão no HPS (Hospital de Pronto Socorro) para a atividade científica, sem demonstrar nenhum cansaço. Foi a primeira vez que tive contato com o “hálux valgo”, sua anatomia e fisiopatologia. A capacidade descritiva e toda a didática que lhes são características me “incendiaram” os neurônios, e eu, que já tinha tendências pela “traumato”, hoje tenho certeza que ali a “mosca azul” havia me picado.

                Segui acompanhando-o durante o restante do curso sempre que era possível.

                No quinto ano, aqui em Porto Alegre, fazíamos o internato concursado no HPS durante o ano inteiro. Nos rodízios entre os setores do Hospital e os dias da semana, cheguei às quintas feiras na Traumatologia, no segundo semestre. Ali a observação da conduta do Professor, tanto médica quanto pessoal, chamavam mais a minha atenção. O atendimento ao paciente traumatológico assim o exige. Tinha ouvidos, “metia a mão” como se diz, não apenas transferindo para os estudantes internos funções experimentais, mas ensinando como fazer, fazendo. E falando, e explicando a patologia e seu decurso.

                O tempo passou para todos.

                Nunca nos afastamos, ao contrário, estreitamos relações familiares, sempre com muito orgulho e muita honra. Estivemos juntos na maioria dos Congressos daqui do sul e os da ABTPé. Frequentemente jantávamos juntos e juntos também ficávamos nas áreas de lazer dos Congressos. Juntos quero dizer com as famílias.

                Quando me resolvi definitivamente pela Cirurgia do Pé, no Congresso do Dr. Mauro em Curitiba, em 1992, filiei-me à então SBMCP, sob sua assinatura abonadora. Já comentei esse momento num de nossos Boletins. O Dr. Marcio Benevento, quando recebeu minha ficha de inscrição, arregalou seus olhos azuis e disse: “com essa assinatura aqui, (apontando para a assinatura do Prof. Egon), você já está dentro! Parabéns!”

                Inesquecível.

                Continuamos nos encontrando no ambulatório do HC, eu já egresso do estágio no IOT em SP. Reativamos o Comitê do Pé no RS, viajamos o estado apresentando temas de atualização com o Comitê inteiro. E entre essa “juventude” sedenta de informaçõoes e atuações lá estava ele, sentado numa “van”, viajando por três, quatro horas entre uma cidade e outra, dando sua aula, acompanhando tudo até o final dos jantares que nos eram oferecidos, sendo sempre o procurado e inquirido sobre condutas em todos os tipos de casos clínicos trazidos pelos colegas do interior.

                Era o Professor.

                Sempre foi Professor.

                Numa dessas vezes, pelo menos para mim, escutei dele mais uma de suas frases definitivas: “se me convidarem para uma solenidade qualquer, vou pensar, mas se me convidarem para uma aula, uma conferência ou uma cirurgia, estou pronto”.

                Aprendi também que o tratamento conservador existe e deve ser esgotado, e só aí então pensamos no tratamento cirúrgico. Aprendi também que quando se vai para uma cirurgia, aquilo ali é a coisa mais importante de tudo. Não se entra numa cirurgia para terminá-la, entra-se numa cirurgia para fazer a cirurgia. E quando ele ainda operava era justamente o que se via: cirurgia limpa, anatômica, passo a passo, nunca estava com pressa, sempre estava falando e explicando e ensinando.

                Assim é o Professor Egon até hoje.

                Coisas de ensinador.

                Coisas de pai.

                Pai intelectual.

Publicado

2018-03-30

Como Citar

Santos, A. C. F. dos. (2018). Paternidade. Scientific Journal of the Foot & Ankle, 12(1), 3–4. https://doi.org/10.30795/scijfootankle.2018.v12.807